ARQUIVO HISTÓRICO DO MUNICÍPIO DE ITAPORANGA D'AJUDA - CURADORIA: PROFESSOR ROBSON MISTERSILVA
ARQUIVO HISTÓRICO DO MUNICÍPIO DE ITAPORANGA D'AJUDA - CURADORIA: PROFESSOR ROBSON MISTERSILVA
IGREJA MATRIZ NOSSA SENHORA D'AJUDA
Por Robson Mistersilva
1. A Origem portuguesa da devoção a Nossa Senhora D’Ajuda
A história de Nossa Senhora D’Ajuda em nossa região está intimamente ligada à história da evolução de nossa terra. A história de Nossa Senhora D’Ajuda em nossa região está intimamente ligada à história da evolução de nossa terra. A origem da santa é portuguesa, no contexto das viagens marítimas: é lenda conhecida em Portugal, principalmente na região da Freguesia da Ajuda, que um certo pastor, na Idade Média, de passagem pela região onde hoje se encontra a freguesia da Ajuda, teria visto a aparição da Virgem Maria.
A notícia teria se espalhado rapidamente e logo surgiram os primeiros curiosos que se fixaram no lugar por o considerar um lugar santo. Lendas à parte, o fato é que nessa região foi edificada a primeira construção de uma capela dedicada à Santa que trazia “ajuda” aos que lhe procurava. De Portugal para o Brasil, coube aos jesuítas trazer consigo a devoção à santa da Ajuda. Assim, em 1549, em Salvador, liderado pelo padre Manuel da Nóbrega foi erigida a primeira capela, de pau a pique e coberta de palha, dedicada a Nossa Senhora D’Ajuda.
2. A devoção em Itaporanga
No início do século XIX, Itaporanga era uma povoação pertencente à São Cristóvão. Em 1753, havia sido construído nessa povoação o Engenho Itaporanga por Francisco de Sá Souto Maior. A Família Sá Souto Maior possuía uma ligação familiar com Salvador, sendo uma das moradas anteriores deste ramo familiar antes da chegada em terras sergipanas.
Em 1583, chegaram a Salvador dois irmãos da família Souto Maior: Manuel de Sá Souto Maior e Diogo da Rocha de Sá Souto Maior. Eles eram filhos de Leonardo de Sá Souto Maior, fidalgo já arruinado do clã, mas que por matrimônio se entrelaçou, de acordo com Sebrão Sobrinho, com a família Rocha de Sá. Essa filiação, aliás, fora o motivo da migração dos Souto Maior para Sergipe, pois “Tinham, aqui, um parente” muito amigo de Diogo da Rocha de Sá Souto Maior.
Em salvador, conheceram o culto a Nossa Senhora da Ajuda. Entre os filhos de Diogo da Rocha de Sá estava Mem de Sá (que dará nome à ilha de Itaporanga[1]). Mem de Sá, em 1593, na Freguesia da Sé, em Salvador, casou-se com Maria Barbosa. Esta Maria Barbosa, segundo Sebrão Sobrinho, faleceu em 8 de setembro de 1622, e foi sepultada em Nossa Senhora da Ajuda, em Salvador. Percebemos então, a familiaridade da família Souto Maior com o culto à Nossa Senhora da Ajuda, e será esta família a responsável pela introdução do culto nesta povoação.
3. A Fundação da Capela de Nossa Senhora D’Ajuda em Itaporanga
Entre os pesquisadores itaporanguenses, Luís Siqueira melhor estudou a antiga Capela de Nossa Senhora D’Ajuda, na monografia Religião, Terra e Poder: O Encapelado de Nossa Senhora da Ajuda em Itaporanga – Se (1798 – 1838). Nessa obra, podemos conhecer melhor como era a Capela em 1798, o mobiliário existente, os instrumentos e as imagens de santos, além de termos uma noção da aglomeração populacional que acabou se formando ao redor dessa capela, algo maior que os ecos populacionais dos demais lugares onde se criou fazendas e capelas em Itaporanga no período, que se restringiam a poucas unidades de moradias de trabalhadores dessas fazendas.
A obra de Sebrão Sobrinho também se debruçou sobre o Encapelado de Nossa Senhora da Ajuda do Itaporanga, em vários artigos publicados no jornal O Nordeste desde dezembro de 1941 até fevereiro de 1942, quando escreve o último artigo.
Douglas Leoni também traz importante contribuição para o entendimento desse período. Uniremos os três relatos para montar o quebra-cabeça da história da fundação desta capela em terras da povoação de Itaporanga.
Em 1791, o Engenho Itaporanga era administrado por Temóteo Fagundes de Sá Souto Maior, filho de Francisco de Sá Souto Maior, fundador do Engenho e já falecido nesta data.
Há duas versões para a construção da Capela de Nossa Senhora D’Ajuda nas terras do Engenho Itaporanga.
Na versão de Sebrão Sobrinho, a construção da Capela se deu em 5 de julho de 1791 “por escritura pública”. Por que fora erigida e porque fora dada como orago Nossa Senhora da Ajuda? Para o pesquisador, com a morte de Francisco de Sá Souto Maior, sua esposa Águeda de Sá Souto Maior, sentindo-se alimentou ideia de contrair segundo matrimônio:
Quando d. Águeda de Sá Souto Maior, viúva de seu parente Francisco de Sá Souto Maior, genitora de prole crescida e casada, em idade mediana de avó para bisavó, senão trisavó, acarinhou, nos murchos seios ou no verdor do coração, a idéia, altamente sugestiva, de passar a segundas núpcias com um parente caça-dotes, não sopitaram à magia e, à uma só voz, protestaram contra o ato irrefletido, irrazoável materno, todos os filhos. (p. 56)
Embora tenham protestado os filhos, o casamento se concretizou. “Não lhes deu atenção a amorosa senil e o contrato nupcial houve lugar” (p. 56). Em resposta aos desejos de D. Águeda de Sá, teriam os filhos de retirado do Engenho Itaporanga: “Retiraram-se os filhos de Casa Grande, desligaram-se dela e ficou só, o casal venturoso, olvidado do interesse contrariado deles.” (p. 56).
O segundo marido de D. Águeda de Sá Souto Maior foi Pedro da Rocha, que colocou na cabeça da esposa a ideia de vender a parte dela no Engenho Itaporanga porque não lhe era interessante ficar morando em lugar onde não era desejado pelos enteados.
Sabendo que a venda da metade da propriedade, caso ocorresse, poderia significar o fim do empreendimento deixado pelo pai, Temóteo de Sá Souto Maior orquestra uma alternativa para tentar convencer a mãe a não vender a sua parte do Engenho ou se pelo menos, se o fizesse, que a ação não significasse a extinção por completo da benfeitoria de Francisco de Sá Souto Maior:
Sabedores e certos de que tudo iria por água abaixo, porque o que ficava seria diminuto e na esperança de que a mãe amorosa não vendesse a parte que tinha na propriedade, ou, se o fizesse, ali ficasse alguma coisa que lembrasse aos quase arruinados fidalgos Soutos Maior, fizeram erigir uma ermida nas terras que lhes pertenciam e, por escritura pública de 5 de julho de 1791, após a respectiva licença eclesiástica, a instituíram em capela, dotando-a com trezentas braças de terras anexas à mesma ermida, reservando para eles e descendentes, a começar pelos filhos varões dos mais velhos, a administração, que, de maneira alguma, poderia passar a estranhos, ainda mesmo que fosse vendido, porquanto aquelas terras pertenciam ao encapelado e lhe deram, como orago Nossa Senhora da Ajuda, naturalmente lembrança da residência de seus antepassados em Salvador. (p. 57)
A adoção de Nossa Senhora da Ajuda como orago, portanto, na visão de Sebrão Sobrinho, era “naturalmente lembrança da residência de seus antepassados em Salvador” (p. 57).
Há, na versão de Sebrão Sobrinho algumas considerações importantes: primeiro, ao plano genioso de Temóteo Fagundes de Sá Souto Maior: a construção da Capela de Nossa Senhora Da Ajuda fora um plano para tentar convencer a mãe a desistir da ideia de seu novo marido de vender sua parte do Engenho Itaporanga e voltar para Salvador; segundo, que o plano A tinha um plano B: se mesmo assim a parte fosse vendida, a Capela garantiria manter na memória o legado da família Souto Maior na região; terceiro, Temóteo sabia que a venda de metade do Engenho seria a ruína do mesmo, pois somente com metade das terras seria impossível manter o Engenho funcionando; quarto, havia uma cláusula para a administração da capela e das terras anexas: que somente os filhos varões da família Souto Maior poderiam ser administradores das mesmas, mesmo se o Engenho por completo fosse vendido.
De acordo com o autor, Temóteo Fagundes de Sá Souto Maior, dessa forma, se tornou o primeiro administrador da Capela de Nossa Senhora da Ajuda. Porém, sua gestão durou pouco. Sete anos após a construção da capela, em 1798, a parte de Dona Águeda de Sá no Engenho Itaporanga foi vendida (“a mãe e o padrasto contratam vender a parte que tinham no engenho Itaporanga” (p.57), e por esta razão, basicamente os filhos foram levados a vender sua parte também (“e, nessa condição, foram impelidos a fazê-lo também” (p.57).
Menos romântica é a outra versão que existe para a construção da Capela de Nossa Senhora da Ajuda. Para organizar sua versão, o autor recorre à obra de Luís Siqueira (2007). Para o autor, em 1792 – um ano mais tarde que a versão de Sobrinho -, Temóteo Fagundes de Sá Souto Maior arrenda terras ao padre Bernardino Pinto da Silveira. Este, por sua vez, terceiriza o arrendamento das terras ao Sargento-mor Domingos Dias Coelho e Mello. O marido de D. Águeda de Sá, na versão de Douglas Leoni, já havia arrendado seis anos antes – portanto, em 1786 – parte das terras ao mesmo sargento-mor. O arrendamento das terras rendia 450 mil réis por ano, que eram divididos entre o padre Bernardinho e Pedro da Rocha.
Leoni e Siqueira afirmam que, passado um tempo, a negociação é desfeita, e o padre Bernardino volta a pagar o aluguel das terras a Temóteo de Sá Souto Maior. De acordo com os autores, Pedro da Rocha acaba falecendo pela mesma época, fazendo de Temóteo o herdeiro natural do Engenho Itaporanga. Dessa forma, o trato do arrendamento passou a ser feito diretamente entre Temóteo e o sargento-mor Domingos Dias Coelho e Mello. É válido pontuar, que da mesma forma que Sebrão Sobrinho, Siqueira e Leoni concordam que a capela não fazia parte dos negócios envolvendo a venda do Engenho Itaporanga.
4. A Criação da Paróquia Nossa Senhora D’Ajuda
É possível aproveitar as duas versões da História para enriquecer o legado de Nossa Senhora D’Ajuda. O fato é que a presença da santa será decisiva na futura formação de um nucleamento populacional. As festas de Nossa Senhora D’Ajuda tiveram início ainda no século XIX. De acordo com Douglas Leoni Rodrigues Melo da Silva, os Arquivos do Judiciário de Sergipe indicam que inicialmente eram feitas por particulares, e tiveram como primeiro registro conhecido em 02 de fevereiro de 1820.
A presença da Capela atraiu a classe mais desfavorecida da população e logo passou-se a observar na circunvizinhança algumas casas populares. A prosperidade da povoação fez com que nascesse ali o desejo de ter a Capela de Nossa D’Ajuda elevada à categoria de Matriz. Houve pelo menos duas tentativas, sendo a primeira em 31 de maio de 1833, que foi negada.
Em 30 de janeiro de 1845, uma nova tentativa fora feita. Dessa vez, apresentada pelo Cônego Vigário Geral José Francisco de Menezes Sobral, a lei provincial trazia o seguinte texto: “O Cônego Vigário Geral José Francisco de Menezes Sobral, Vice-Presidente da Província de Sergipe: Faço saber a todos os habitantes que a Assembleia Legislativa Provincial decreta a Lei seguinte: Art. 1º fica elevada à Freguesia, desmembrada da de Nossa Senhora Da Vitória, a povoação da Itaporanga, e à categoria de Matriz a respectiva capela de Nossa Senhora D’Ajuda.
O ano de 2025 marca 180 anos desse feito. Dela para cá, a antiga capela ganhou construção mais moderna. De acordo com o historiador Luís Siqueira (2007), a igreja foi erguida a partir do primeiro quarto do século XIX, em substituição à capela do século XVIII, e só é concluída por volta de 1930.
Referências
Mistersilva, Robson. Memórias de Itaporanga: Aracaju: infografic, 2002.
Siqueira, Luis. Religião, Terra e Poder: O Encapelado de Nossa Senhora da Ajuda em Itaporanga – Se (1798 – 1838). Itaporanga d’Ajuda: do Autor, 2007.
Silva, Douglas Leoni R. Melo da. Ensino de História numa perspectiva local: um roteiro iconográfico de igrejas do vale do vaza-barris em Itaporanga d’Ajuda-SE. Dissertação de Mestrado em Ensino de História, ProfHistória, UFS, 2024.
Sobrinho, Sebrão. Fragmentos de Histórias Municipais e outras histórias. Aracaju: Instituto Luciano Barreto Junior, 2003.
[1] Embora alguns acreditem que o nome da ilha itaporanguense foi dado em homenagem ao terceiro Governador Geral do Brasil, Men de Sá, segundo Sebrão Sobrinho este é apenas um homônimo, sendo este membro da Família fundadora do Engenho Itaporanga o verdadeiro homenageado.
Freguesia da Ajuda, Portugal, onde tudo teve origem.
Catarina de Habsburgo foi uma das grandes devotas de Nossa Senhora D’Ajuda
Imagem da Capela de Ajuda (Salvador), 1579, em foto publicada no Jornal da Tarde, em 1912. É provável que a Capela original de Nossa Senhora Da Ajuda de Itaporanga tenha tentado ter um aspecto semelhante à capela homônima.
Imagem atual de Nossa Senhora D'Ajuda
Imagem de Nossa Senhora D'ajuda (início do século XX)
Procissão de Nossa Senhora D'Ajuda, década de 1950
Igreja Matriz, deécada de 1950
Festa de Nossa Senhora D'Ajuda, década de 1930.
Igreja Matriz, década de 1920.
Imagem de Nossa Senhora D'Ajuda, na Praça Silvio Garcez
Igreja Matriz, com Cruzeiro e Apêndice, primeira metade do século XX